Dia 1- Noite, a descoberta do fascínio

O dia eu não me recordo, quero sinceramente me lembrar mas não consigo. Só tenho a certeza que foi na noite desse mesmo dia que tive uma reviravolta em minha vida, o que antes era medíocre e rotineiro, se tornou incerto e apavorante. Não me lembro de datas, mas os acontecimentos não me faltam a memória. Quero e anseio que entendam o que aconteceu comigo, mas antes precisam saber como e onde aconteceu, portanto vamos ao início de tudo ou pelo menos ao que parecia ser o início. Não sei se será claro para vocês, porque a mim ainda é assustador, embora as vezes seja consideravelmente útil.
Era noite, olhei no relógio, quase dez e meia, vinha da casa de minha namorada e já estava tarde para andar sozinho nas ruas mas eu não me importava. As luzes dos postes oscilavam entre apagadas e acesas, minha única companhia era minha própria sombra que sumia na ausência da luz. Meus passos eram firmes e contínuos, eu os escutava atentamente, como se fossem uma musica repetitiva. Ventava, a brisa gelada tocava de leve meu rosto e aquilo de certa forma me aliviava, era como alguém, com receio de um toque verdadeiro, me acariciando. Mas não podia ser assim até chegar em casa? Tranqüilo? Alegre? Ele tinha que estar ali? Parado, encostado em um dos postes, as pernas cruzadas, casaco preto longo, cabelo desgrenhado e o cigarro aceso irreverente em uma das mãos. Naquele momento, além da alegria, outro sentimento aflorou dentro de mim, destes que dilatam nossa pupila, arrepiam os pêlos dos nossos braços, que esganam nossa respiração e aceleram nosso passo. O medo e alegria estavam lado a lado. Mesmo o bom sentimento não era forte o bastante para acalmar aquele medo.
Me mantive firme, mesmo que algo me dissesse para mudar de calçada, pisava forte e suava frio, acelerei meus passos. Estava cada vez mais próximo, cada vez mais, até que como em câmera lenta passei por ele, olhei pelo canto dos olhos esperando uma reação, pronto para me defender e usar o que havia aprendido na internet sobre defesa pessoal. Ele não se moveu, nem olhou para mim, só pude sentir o cheiro do seu cigarro e me arrepiar quando percebi uma cicatriz transversal da testa até a comissura direita de sua boca. Um sentimento de alivio tomou conta de mim, tinha passado o pior, estava a quase dois passos dele, quando:
_ Quantas horas, por favor? - arrepiei, não só o corpo mas também a alma, ele me perguntava as horas e quando percebi já era tarde, eu já não me movia, talvez nem respirasse.
_ São..é...dez..e..trin...ta e dois! - rezei para que ele não me roubasse, para que me deixasse chegar em casa inteiro.
_Hum, bem na hora então...Obrigado, Fernando! - me lançou um sorriso desdenhado, mostrando seus dentes amarelados.
Um arrepio correu dentro de mim, não conseguia me mover.Ele sabia meu nome? escutei bem? Sim! foi meu nome que ele disse. Mas eu não acreditava.
_Desculpe..é...você disse Fernando? - suava frio, apertando minhas mãos com toda força.
_Eu disse? - percebi o sarcasmo em sua pergunta e aquilo me irritou, ele tinha dito e eu sabia disso.
_Disse, eu escutei, tenho certeza disso! - meu medo já não mais me incomodava
_Então eu disse, me desculpe - lançou outro sorriso desdenhado.
_Mas isso não tem sentido.. - tinha que saber de onde ele me conhecia, tomei fôlego e continuei - eu não te conheço, nunca te vi na vida, como você pode saber meu nome?- esperei ofegante pela resposta.
_Você não me conhece? - ele riu como se me conhecesse, deixando o som de seu riso se espalhar no silêncio da rua - Você... não me..conhece?- andou em minha direção ainda rindo num tom de quem recupera a respiração.
A aproximação do estranho fez o meu medo ressurgir, eu queria fugir com todas as minhas forças mas não conseguia. Precisava saber, a qualquer custo, talvez até com minha própria vida.

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