Meu banho foi curto, estava realmente cansado e queria dormir logo. Enquanto colocava meu pijama, que não era mais do que uma calça de moletom e uma camisa de uniforme velha, as imagens daquele homem na rua escura persistiam em minha mente e as vezes eu escutava suas palavras: "Use a noite, quando for dormir e vai entender tudo...". Pensei no que significava e cheguei a conclusão de que aquele homem não passava de um doido, aquele colar devia ser algum daqueles que os hippies manufaturam e aquela pedra azul não devia passar de vidro. De qualquer forma seria um vidro bem incomum, aquele brilho me deixou perplexo, nunca tinha visto nada igual, não era só luz que saia da pedra, tinha algo a mais, uma espécie de purpurina, mas eu não tinha certeza do que era só sabia que o brilho era simplesmente surreal. Parei de pensar, só estava ficando mais inquieto e em vez de respostas só nasciam mais perguntas.
Fechei a janela do meu quarto, ela fez barulho pedindo óleo, depois acendi a luz do banheiro e apaguei a do quarto, porque eu não gostava de dormir no completo escuro, isso começou depois da morte do meu pai. Ele morreu quando eu tinha só quatro anos de idade, minha mãe no começo não quis me contar que tinha sido um acidente, nem deveria já que eu era muito novo e já sofria demais. Meu pai era empresário, trabalhava criando design de brinquedos, portanto viajava muito e numa dessas viagens um caminhão de leite soltou acidentalmente um dos galões, meu pai que vinha atrás não conseguiu desviar. Minha mãe, até hoje é uma fiel viúva e sempre me educou dizendo que eu seria honesto e sonhador como o meu pai, ela lutou muito para dar conta da casa e do único filho. Eu cresci na ausência dele e criei responsabilidades muito cedo, tanto que meu primeiro emprego foi aos doze anos, eu ganhava uns trocados ajudando o dono de um sacolão, o Sr. Antônio, a descarregar as frutas e verduras que chegavam de Belo Horizonte. Apesar de ser bem novo quando meu pai faleceu, eu ainda guardo algumas lembranças dele, me lembro bem que toda noite, eu dormia com a luz do quarto acesa porque tinha medo do monstro debaixo da cama, então ele ia até meu quarto, arrumava minha coberta, esperava que o meu sono viesse, beijava minha testa e antes de sair do quarto apagava a luz. É por isso que ainda deixo a luz do banheiro acesa, não que eu ainda tenha medo de um monstro sair debaixo de minha cama, mas porque no fundo eu ainda tenho esperanças de que ele vá entrar pela porta do quarto, me dizer boa noite e apagar em silencio a luz do banheiro.
Lembrar do meu pai fez meu peito apertar, respirei fundo e enxuguei com as costas da mão resquícios de lagrimas que se formavam. Deitei na cama com a cabeça ainda a mil, mas aos poucos fui me acalmando, puxei a coberta ate o peito e deitei de lado de modo que minha visão era a cômoda ao lado da cama, em cima dela jazia o colar azul. Fiquei encarando ele, meus olhos estavam pesados, as palavras me vieram a mente de novo: "Use a noite, quando for dormir e vai
entender tudo...". Eu não ia colocar o colar, aquilo não passava de uma bobagem e realmente não tinha sentido. O colar me encarava, pensei em mudar de lado, mas o sono já tinha me dominado, meus olhos foram se fechando, estavam muito pesados, escutei minha respiração reduzir, eles se fecharam mais um pouco, o colar ainda me encarava, então peguei no sono e minha ultima imagem foi a luz do banheiro refletindo sobre a pedra azul, uma estranha luz anil iluminava o meu quarto.
Chovia forte e era noite, olhei em volta, estava descalço e pisava sobre uma grama fofa molhada, parecia que estava em uma campina, a escuridão não me deixava definir bem as coisas. Usava uma camisa azul de mangas longas, ela estava aberta e a chuva molhava todo meu corpo, sentia a força das gotas da água e o caminho que elas faziam escorrendo pelo meu peito até minha calça jeans. Fazia frio, olhei para Lua e gritei com os braços abertos , o grito era silencioso, não conseguia entender, depois saiu estridente como se tivessem aumentado o volume: "NÃO, PAI... não me deixe de novo.. PAI..por favor!!". Meu coração estava disparado, minhas lagrimas se misturavam com a chuva, tinha me ajoelhado e não me importava com o barro, meus olhos se arregalaram de súbito, tinha um corpo deitado na grama logo a minha frente, ele estava vestido com um terno preto e a lua iluminava sua face mórbida, seus olhos cerrados velavam a certeza de que era um cadáver e me garantiam outra, a de que o corpo era realmente do meu pai....

0 comentários:

Postar um comentário